WING CHUN (VING TSUN)
ORIGEM E HISTÓRIA ATÉ YIP MAN (IP MAN)
Conta-se que quando a China foi invadida pelos manchus, os oficiais sobreviventes da dinastia Ming teriam se ocultado no Templo Shaolin, buscando proteção numa época em que os templos budistas eram considerados tabu, e objetos de grande reverência por parte do povo.
O fato desses oficiais terem permanecido ocultos no templo por muitos anos, parece justificar o grande número de armas praticadas pelos Shaolins, se considerarmos as restrições que a filosofia budista impunha ao uso de armas antes dessa época.
Os manchus tentaram diversas vezes atacar o templo sem sucesso, pois suas paredes eram inexpugnáveis, tendo mesmo diversos metros de espessura em alguns pontos.
No vigésimo quinto dia do sétimo mês do décimo segundo ano do reinado de Yung Chen (1733 d.C.), um monge Shaolin de hierarquia inferior, chamado Ma Ning Yee, em conspiração com três oficiais do governo manchu, chamados Chan Man Yu, Cheung Ching Chow e Wong Chun May, envenenou a água do templo e o incendiou, tendo permitido a entrada de soldados abrindo as portas do templo. Os poucos sobreviventes ao fogo e aos efeitos deletérios do veneno lutaram bravamente, mas desamparados pela morte dos mestres principais, tiveram que capitular e foram chacinados. Conseguiram fugir apenas cinco dos grandes mestres e quinze discípulos.
Dentre os quinze discípulos apenas seis tiveram seus nomes guardados pela história, quer por sua fama como possuidores de grandes habilidades nas artes marciais, quer por seus feitos heróicos nas infrutíferas tentativas de derrubar os invasores manchus. Foram eles:
Hung Hee Kung e Luk Ah Choy, que criaram o estilo Hung Kuen, mais tarde conhecido como Hung Gar.
Fong Sai Yuk, que criou um estilo baseado no movimento dos cinco animais de Shaolin.
Tse Ah Fook, Fong Weng Chun e Tung Chin Kun, que foram grandes lutadores cujos feitos heróicos são até hoje narrados em histórias do folclore chinês.
Quanto aos 5 mestres que escaparam, e que ficaram conhecidos como Siu Lam Ng Lou (Os Cinco Antigos de Shaolin), seus nomes eram: Pak Mey, Chi Sin, Miu Hin, Fung To Tak e Ng'Mui.
Ng'Mui foi a única monja que conseguiu escapar do Templo Shaolin e, conforme dizem as tradições, era a mais jovem entre os mestres sobreviventes, embora fosse considerada da mais alta hierarquia do templo, quer por seu conhecimento da doutrina, quer por possuir seus sentidos superdesenvolvidos. É dito que o Monastério Shaolin (Siu Lam, no dialeto cantonês) dispunha de 36 câmaras ou templos, sendo a Vein Tsun Tong, a câmara liderada pela monja budista Ng'Mui, perita no sistema "Weng Chun Bak Hok Pai", conhecido por estilo Weng Chun da Garça Branca da província de Fujian. Quando fugiu do templo Ng'Mui, viajou pela China durante algum tempo e depois, decidida a continuar na vida religiosa, ingressou no "Bak Hok Koon" ou Templo da Garça Branca na montanha de Tai Leung, na fronteira entre as províncias de Szechuan e Yunan.
Segundo se conta, Yim Yee era um dos 15 discípulos que conseguiram sobreviver à destruição do Templo Shaolin. Tendo aprendido algumas técnicas marciais, meteu-se em encrencas na tentativa de fazer prevalecer seus pontos de vista em algumas questões que envolviam a justiça local. Isso causou-lhe problemas que o forçaram a fugir da região, indo parar no sopé da montanha Tai Leung, onde dedicou-se ao comércio de vagens.
Yim Yee tinha uma filha chamada Yim Wing Chun, que conforme os costumes chineses da época, tinha sido prometida em casamento, ainda quando era menina, para um negociante de sal da província de Fukien. Aos quinze anos de idade, como era costume, usava seus cabelos atados, demonstrando estar apta a se casar.
Na região para onde ele e a filha fugiram, havia um marginal chamado Wong que era famoso tanto por sua habilidade em lutar quanto por seu mau procedimento. Atraído pela beleza de Yim Wing Chun, Wong mandou-lhe um ultimato, dizendo que ou ela casava com ele ou ele a tomaria à força em uma determinada data. Yim Yee já estava velho e não tinha mais condições físicas de enfrentar o valentão; todos os dias, ele e a filha se preocupavam com a data que se aproximava sem saber o que fazer.
Enquanto isso, Ng'Mui que estava hospedada no templo da garça branca, costumava descer à vila, no sopé da montanha, diversas vezes por mês, para comprar pequenas coisas que atendessem as suas necessidades diárias. Certo dia, comprando tofu (alimento a base de soja, semelhante a um queijo) de Yim Yee, no caminho de sua casa para o mercado, ela percebeu uma certa apreensão nos olhos do velho e, interrogando-o, ficou sabendo do que se passava.
A história tocou nos brios de Ng'Mui, despertando seu senso de justiça, e ela se propôs a ajudar Yim Wing Chun. Só que, ao invés de expulsar o valentão da região, o que faria com que fosse reconhecida e lhe traria problemas com os manchus, preferiu ensinar sua arte à filha de Yim Yee.
Yim Wing Chun estudou três anos sob a tutela de Ng'Mui. Alguns historiadores, baseados em lendas regionais, acreditam que o estilo que Ng'Mui ensinou a Yim Wing Chun foi criado a partir das observações que a monja fez da luta entre uma garça e uma serpente. Mas essas lendas sobre lutas entre animais dando origem a sistemas de Kung Fu, estão invariavelmente unidas às origens de diferentes estilos, pois a garça e a serpente, representam na simbologia chinesa, os opostos que se complementam, o que nos leva a crer que tudo não passa de uma lenda e que Ng'Mui nada mais fez que ensinar à sua discípula as técnicas que tinha aprendido no Templo Shaolin, talvez um pouco adaptadas por ela própria. Lamentavelmente, é comum a confusão da representação com o animal em si, o que é compreensível nos tempos de hoje, onde a simbologia tradicional parece cada vez mais distante da geração que está cada vez mais confusa com o excesso de informação de diferentes culturas. Como consequencia dos ensinamentos de Ng'Mui, Yim Wing Chun conseguiu derrotar o valentão e expulsá-lo da região. Após o ocorrido, Yim Wing Chun dedicou-se totalmente a estruturar o novo método que aprendera de sua mestra. Ela dividiu-o em Siu Nim Tao, Chum Kiu, Biu Je, Moy Fah Jong e Bot Jom Doa. Mais tarde, casou-se com o noivo que lhe tinha sido reservado em criança, de nome Leung Bok Chau, o qual já possuia conhecimentos de artes marciais antes de desposar Yim Wing Chun. Depois do casamento, ela o via praticar seus exercícios de Kung Fu e fazia-lhe sugestões a respeito de certas técnicas, discutindo com ele teorias das artes marciais. A princípio, ele prestou pouca atenção a essas sugestões, pois se considerava um lutador razoável e não via como uma mulher frágil como sua esposa poderia saber alguma coisa que ele já não soubesse. Mas o tempo foi passando e ele começou a notar certas pertinências nas observações dela, e incentivou-a a lutar. Foi repelido com certa facilidade, embora estivesse usando sua melhor técnica. Surpreso com esse resultado, repetiu a experiência diversas vezes e todas as lutas acabavam da mesma forma.
Foi então que Leung Bok Chau caiu em si, e percebeu que sua esposa não era tão frágil quanto as outras mulheres; pelo contrário, era uma poderosa lutadora com grande habilidade numa arte marcial desconhecida e até feia, mas de extrema eficiência em luta. Daí em diante passou a admirar a técnica dela e sempre que podia praticava. Denominou essa arte "Wing Chun Kuen" (Punhos de Wing Chun) em homenagem a ela.
Muitos anos depois de Leung Bok Chau ter aprendido a arte do Wing Chun Kuen de sua esposa, ele a transmitiu a um médico herbalista chamado Leung Lan Kwai, que a preservou secretamente, nunca tendo mencionado a ninguém que possuía conhecimento de artes marciais. Esse segredo só foi revelado quando certa vez expulsou a pancada um grupo de lutadores que estavam molestando um homem idoso. De qualquer maneira, ele sempre soube manter na discrição suas habilidades, decidido a não tornar público o estilo Wing Chun.
Porém, para a felicidade de todos os que praticam Wing Chun em nossos dias, ao se tornar idoso, Leung Lan Kwai resolveu ensinar seu estilo a mais alguém para que não perecesse com ele. Depois de muito escolher, conheceu um rapaz chamado Wong Wah Bo, e felicitou-se por ver em um jovem, caráter tão íntegro e admirável senso de justiça, decidindo-se a ensiná-lo.
Wong Wah Bo era um ator de ópera chinesa, ou melhor, era líder de uma trupe de ópera cantonesa, Kin Fah Wui Gun (Sociedade da Preciosa Flor de Jade), e esses atores normalmente tinham noções de artes marciais, pois interpretavam muitas vezes papéis que representavam heróis militares lendários do passado. As equipes de óperas viajavam em Juncos Vermelhos (barcos pintados de vermelho) conhecidos como Hung Suen, por toda a China. Numa época em que não haviam estradas como as de hoje, as viagens a pé ou a cavalo se tornavam dificultosas e os meios de transporte mais rápidos eram os fluviais, o que motivava o desenvolvimento de povoações às margens dos rios. Os Juncos da ópera iam pelos rios da China, organizando espetáculos nas cidades próximas ás margens, e essas viagens duravam muitos anos, sendo que muitas pessoas passavam nesses barcos praticamente a vida toda.
Mestre Cheen Sin, um dos 5 mestres que conseguiram fugir do Templo Shaolin, como mencionado anteriormente, e que era um grande conhecedor das doutrinas do budismo Ch'an e especialista no estilo do punho longo, tornou-se um revolucionário e conclamava a juventude chinesa a se unir para derrubar o governo manchu, o que fez com que sua cabeça e a de alguns de seus discípulos fossem colocadas a prêmio, forçando-o a refugiar-se como cozinheiro em um dos Juncos Vermelhos.
Entre os discípulos de Cheen Sin no Junco Vermelho, havia um chamado Leung Yee Tai, que não era ator de ópera, mas um simples marinheiro, um bastoneiro para ser mais exato, cuja função era usar um bastão para empurrar o barco em regiões onde o vau era mais raso, para desencalhar o mesmo. Dentre as técnicas que o mestre Cheen Sin dominava, se incluía a técnica do bastão longo, e ele a ensinou a Leung Yee Tai que acabou por se tornar muito proficiente no domínio dessa arte. O tempo foi passando e, mesmo após a morte do mestre Cheen Sin, Leung Yee Tai continuou trabalhando como bastoneiro no Junco Vermelho, e não abandonou os seus treinamentos com o bastão.
Wong Wah Bo, tendo ido trabalhar no mesmo junco em que estava Leung Yee Tai, admirou-se da habilidade técnica que este demonstrava no manejo do bastão. Acabaram por se tornar amigos e um ensinou ao outro sua técnica. Isso contribuiu para que a técnica do bastão longo, ou seja, o Bastão de Seis Pontos e Meio (Luk Dim Poon Kwun) fosse incluída no currículo do estilo Wing Chun, que a esse tempo possuía como arma apenas as espadas gêmeas, também conhecidas por espadas borboletas, graças às alças em sua empunhadura. As espadas borboletas possuem 8 técnicas básicas e, é chamada de Facas de Oito Cortes (Bot Jom Doa). Mais tarde, a trupe de ópera, acusada de participação em uma rebelião, foi dispersada.
Já em idade avançada Leung Yee Tai transmitiu a arte do Wing Chun para Leung Jan, um médico famoso da cidade de Fotshan na província de Kwangtung, por sinal a mesma província onde tinha nascido Yim Wing Chun. Leung Jan era descendente de uma família tradicional e fora educado com esmero, possuindo grande cultura. Era proprietário da farmácia Jang Sang, especializada em ervas medicinais, e também exercia a medicina entre os habitantes de Fotshan, que já nessa época era famoso centro comercial. Leung Jan era considerado profundo conhecedor da medicina chinesa, e a fama do médico trazia a sua porta inúmeras pessoas que viajavam desde outras províncias em busca de sua habilidade. Apesar da prosperidade de seus negócios e da intensa atividade que desenvolvia, possuía duas paixões: a literatura e a arte marcial. Sua habilidade no domínio das técnicas do Wing Chun lhe valeram o apelido de "O Rei do Kung Fu de Wing Chun", o que atraiu sobre si muitos desafios. Lutadores ambiciosos de sua fama forçavam-no a lutar, mas eram facilmente vencidos. Ainda nos dias de hoje, os anciões de Kwangtung sentem uma ponta de orgulho ao relatarem seus feitos memoráveis.
Evidentemente, Leung Jan exercia atividades profissionais de sobra para poder se dedicar profissionalmente ao ensino do Wing Chun, mas seu entusiasmo pela arte marcial e a necessidade de praticar o que sabia, obrigaram a adotar alguns discípulos, entre eles seus dois filhos, Leung Tsun e Leung Bik. Quando já idoso, afastou-se de suas atividades profissionais e passou a ensiná-los todos os dias. Leung Jan (1816-1891) era famoso na região, por cobrar muito caro para ensinar a sua arte.
Próximo à farmácia de Leung Jan, havia um posto de troca de dinheiro que pertencia a um homem chamado Chan Wah Shun (1829-1905). Por essa época, eram comuns os postos de troca de dinheiro, pois as moedas da dinastia Ching eram cunhadas em cobre e prata, exigindo sua troca em moedas de menor valor para facilitar o comércio. Graças a sua profissão, o proprietário desse posto era conhecido por "Wah - o trocador de dinheiro". Wah tinha um grande sonho: tornar-se um hábil lutador de Kung Fu. Tendo conhecimento da fama do farmacêutico, estava decidido a tornar-se seu discípulo, mas temia solicitar sua aceitação às aulas pois pertenciam a diferentes níveis sociais. Leung Jan era descendente de uma família proeminente, médico famoso e próspero comerciante, ao passo que ele era apenas um modesto trocador de dinheiro.
Todos os dias, às horas mais calmas da tarde, quando o movimento diminuía, Wah corria à cerca de madeira da farmácia do vizinho, e na ponta dos pés espiava pelas frestas para ver Leung Jan ensinando Wing Chun.
Leung Jan era uma espécie de ídolo para ele, prestava muita atenção aos movimentos de seus pés e mãos, estudando-os cuidadosamente.
Dia a dia sua vontade de tornar-se seu discípulo aumentava, até que, reunindo toda sua coragem e determinação apresentou-se diante do mestre e solicitou formalmente sua admissão. Para seu pesar, sua proposta foi gentil mas firmemente recusada. Todavia Wah não era um homem que desistisse facilmente e vendo que as portas não se abririam pelos meios convencionais, tratou de encontrar outra alternativa. Nas inúmeras vezes em que observara os treinos de Leung Jan, tinha visto que entre os alunos havia um homem de grande porte físico que era seu xará e que possuía braços tão fortes que algumas vezes tinha quebrado os braços do boneco de madeira (mudjong), que era utilizado para os treinamentos avançados do sistema Wing Chun. O fato de possuir os braços tão fortes trouxe a ele o apelido de "Wah - o homem de madeira".
Wah, "o trocador de dinheiro", valendo-se de sua picardia, usou de todos os recursos que dispunha para tornar-se amigo de Wah, "o homem de madeira", e com ele aprendeu inúmeras técnicas de Wing Chun. Os meses foram se passando e, certa ocasião, aproveitando que Leung Jan estava viajando, Wah "o homem de madeira", resolveu levar seu amigo e xará para assitir o treino na farmácia. Nessa oportunidade estava lá Leung Tsun e Wah conto-lhe que seu amigo, o trocador de dinheiro, possuía grandes habilidades em Wing Chun e que as havia adquirido apenas observando os treinos pelas frestas da cerca.
Leung Tsun resolveu então testar o resultado do aprendizado ilícito de Wah, "o trocador de dinheiro", travando com ele uma luta real.
Logo ao iniciar a luta, Wah, que estava acostumado a treinar com seu amigo "o homem de madeira", um parceiro muito forte, percebeu que Leung Tsun não era hábil para enfrentá-lo, e deu-lhe um golpe tão forte que arremessou-o sobre a cadeira do pai, quebrando-a. A cadeira quebrada era de grande valor, sendo a favorita de Leung Jan, por isso, temendo a punição, todos apressaram-se em consertá-la o melhor que puderam.
Naquela noite, retornando de sua viagem, Leung Jan foi descansar em sua cadeira favorita, como era seu hábito após o jantar. Para sua surpresa e indignação, a cadeira tombou para o lado e ele quase caiu ao chão.
Foi então informado pelo filho a respeito da visita do vizinho e do resultado que a luta provocara. Leung Jan, ao ouvir o relato, intimou seu discípulo Wah, "o homem de madeira", e lhe fez meticuloso interrogatório principalmente a respeito de como o seu amigo tinha adquirido suas habilidades de Kung Fu. Wah então lhe informou que de vez em quando ensinava Kung Fu a seu amigo e que ele subrepticiamente costumava espiar pelas frestas da cerca para ver os treinamentos nos fundos da farmácia.
Leung Jan pediu a Wah que fosse buscar seu amigo, mas Wah que sabia que era errado ensinar Kung Fu a estranhos, sem a permissão do mestre, imaginou que seu amigo seria punido pelo que tinha feito e, ao invés de trazê-lo, aconselhou-o a fugir da região. Ao saber disso, Leung Jan explicou que não desejava puni-lo, mas apenas saber o quanto tinha aprendido do sistema, e quão talentoso ele era. Ao ouvir isso, Wah correu em busca de seu amigo e o levou à presença do mestre. Leung Jan examinou a técnica do trocador de dinheiro e admirou-se dos estágios que ele atingira sem ter frequentado aulas formais. Acabou por consentir em aceitá-lo como discípulo.
Wah, "o trocador de dinheiro", não era um homem culto nem sequer possuía talentos especiais, mas sua persistência e determinação asseguraram-lhe um rápido progresso. Devido a sua profissão, estava constantemente envolvido com pessoas de classes mais baixas, o que lhe dava oportunidade de envolver-se em brigas constantes, propiciando-lhe ocasiões de incrementar suas habilidades na arte de lutar. Essas habilidades se aperfeiçoaram de tal forma, que lhe trouxeram fama considerável e o posto muito admirado e de grande respeito de instrutor chefe, para uma brigada especial do exército denominada "Soldados dos Oito Estandartes".
Wah ensinou Wing Chun durante 36 anos, e teve durante esse tempo todo, apenas 16 discípulos, entre os quais seu filho e sua nora. Não possuía local apropriado para o ensino do Wing Chun, portanto costumava alugar ginásios para esse fim. Quando Wah estava com mais de 70 anos de idade, foi gentilmente convidado a ensinar no templo ancestral da família Yip, uma das mais ricas de Fotshan, proprietária de uma enorme fazenda e de uma rua inteira da cidade. Esse foi o seu derradeiro local de ensino, tendo lá ministrado aulas até sua morte.
Mestre Wah costumava cobrar muito caro por suas aulas, três moedas de prata por mês, o que limitava muito o número de seus alunos.
Certo dia ficou surpreso ao encontrar à sua espera o pequeno Yip Man, filho do proprietário do templo onde dava suas aulas, segurando na mãozinha três moedas de prata e pedindo para ser aceito como seu discípulo.
Preocupado com a grande soma em dinheiro que o menino de treze anos lhe trazia, temeu ter sido roubado e foi perguntar ao pai do garoto. Descobriu então que o pequeno Yip tinha conseguido o dinheiro quebrando o potinho onde guardava suas economias de muitos anos. Enternecido pela decisão firme do pequenino, Wah aceitou-o como estudante, mas não o levou muito a sério a princípio, pois acreditava que o filho de um grãn-fino seria delicado demais para poder aprender uma arte viril como o Wing Chun. Mas a garra com que Yip Man se atirou aos treinos, fizeram com que ele mudasse de idéia rapidamente. Yip Man foi o mais jovem dentre os discípulos de Wah "o trocador de dinheiro"; este o ensinou desde então, vindo a falecer quando o jovem estava com dezesseis anos de idade.
O fato desses oficiais terem permanecido ocultos no templo por muitos anos, parece justificar o grande número de armas praticadas pelos Shaolins, se considerarmos as restrições que a filosofia budista impunha ao uso de armas antes dessa época.
Os manchus tentaram diversas vezes atacar o templo sem sucesso, pois suas paredes eram inexpugnáveis, tendo mesmo diversos metros de espessura em alguns pontos.
No vigésimo quinto dia do sétimo mês do décimo segundo ano do reinado de Yung Chen (1733 d.C.), um monge Shaolin de hierarquia inferior, chamado Ma Ning Yee, em conspiração com três oficiais do governo manchu, chamados Chan Man Yu, Cheung Ching Chow e Wong Chun May, envenenou a água do templo e o incendiou, tendo permitido a entrada de soldados abrindo as portas do templo. Os poucos sobreviventes ao fogo e aos efeitos deletérios do veneno lutaram bravamente, mas desamparados pela morte dos mestres principais, tiveram que capitular e foram chacinados. Conseguiram fugir apenas cinco dos grandes mestres e quinze discípulos.
Dentre os quinze discípulos apenas seis tiveram seus nomes guardados pela história, quer por sua fama como possuidores de grandes habilidades nas artes marciais, quer por seus feitos heróicos nas infrutíferas tentativas de derrubar os invasores manchus. Foram eles:
Hung Hee Kung e Luk Ah Choy, que criaram o estilo Hung Kuen, mais tarde conhecido como Hung Gar.
Fong Sai Yuk, que criou um estilo baseado no movimento dos cinco animais de Shaolin.
Tse Ah Fook, Fong Weng Chun e Tung Chin Kun, que foram grandes lutadores cujos feitos heróicos são até hoje narrados em histórias do folclore chinês.
Quanto aos 5 mestres que escaparam, e que ficaram conhecidos como Siu Lam Ng Lou (Os Cinco Antigos de Shaolin), seus nomes eram: Pak Mey, Chi Sin, Miu Hin, Fung To Tak e Ng'Mui.
Ng'Mui foi a única monja que conseguiu escapar do Templo Shaolin e, conforme dizem as tradições, era a mais jovem entre os mestres sobreviventes, embora fosse considerada da mais alta hierarquia do templo, quer por seu conhecimento da doutrina, quer por possuir seus sentidos superdesenvolvidos. É dito que o Monastério Shaolin (Siu Lam, no dialeto cantonês) dispunha de 36 câmaras ou templos, sendo a Vein Tsun Tong, a câmara liderada pela monja budista Ng'Mui, perita no sistema "Weng Chun Bak Hok Pai", conhecido por estilo Weng Chun da Garça Branca da província de Fujian. Quando fugiu do templo Ng'Mui, viajou pela China durante algum tempo e depois, decidida a continuar na vida religiosa, ingressou no "Bak Hok Koon" ou Templo da Garça Branca na montanha de Tai Leung, na fronteira entre as províncias de Szechuan e Yunan.
Segundo se conta, Yim Yee era um dos 15 discípulos que conseguiram sobreviver à destruição do Templo Shaolin. Tendo aprendido algumas técnicas marciais, meteu-se em encrencas na tentativa de fazer prevalecer seus pontos de vista em algumas questões que envolviam a justiça local. Isso causou-lhe problemas que o forçaram a fugir da região, indo parar no sopé da montanha Tai Leung, onde dedicou-se ao comércio de vagens.
Yim Yee tinha uma filha chamada Yim Wing Chun, que conforme os costumes chineses da época, tinha sido prometida em casamento, ainda quando era menina, para um negociante de sal da província de Fukien. Aos quinze anos de idade, como era costume, usava seus cabelos atados, demonstrando estar apta a se casar.
Na região para onde ele e a filha fugiram, havia um marginal chamado Wong que era famoso tanto por sua habilidade em lutar quanto por seu mau procedimento. Atraído pela beleza de Yim Wing Chun, Wong mandou-lhe um ultimato, dizendo que ou ela casava com ele ou ele a tomaria à força em uma determinada data. Yim Yee já estava velho e não tinha mais condições físicas de enfrentar o valentão; todos os dias, ele e a filha se preocupavam com a data que se aproximava sem saber o que fazer.
Enquanto isso, Ng'Mui que estava hospedada no templo da garça branca, costumava descer à vila, no sopé da montanha, diversas vezes por mês, para comprar pequenas coisas que atendessem as suas necessidades diárias. Certo dia, comprando tofu (alimento a base de soja, semelhante a um queijo) de Yim Yee, no caminho de sua casa para o mercado, ela percebeu uma certa apreensão nos olhos do velho e, interrogando-o, ficou sabendo do que se passava.
A história tocou nos brios de Ng'Mui, despertando seu senso de justiça, e ela se propôs a ajudar Yim Wing Chun. Só que, ao invés de expulsar o valentão da região, o que faria com que fosse reconhecida e lhe traria problemas com os manchus, preferiu ensinar sua arte à filha de Yim Yee.
Yim Wing Chun estudou três anos sob a tutela de Ng'Mui. Alguns historiadores, baseados em lendas regionais, acreditam que o estilo que Ng'Mui ensinou a Yim Wing Chun foi criado a partir das observações que a monja fez da luta entre uma garça e uma serpente. Mas essas lendas sobre lutas entre animais dando origem a sistemas de Kung Fu, estão invariavelmente unidas às origens de diferentes estilos, pois a garça e a serpente, representam na simbologia chinesa, os opostos que se complementam, o que nos leva a crer que tudo não passa de uma lenda e que Ng'Mui nada mais fez que ensinar à sua discípula as técnicas que tinha aprendido no Templo Shaolin, talvez um pouco adaptadas por ela própria. Lamentavelmente, é comum a confusão da representação com o animal em si, o que é compreensível nos tempos de hoje, onde a simbologia tradicional parece cada vez mais distante da geração que está cada vez mais confusa com o excesso de informação de diferentes culturas. Como consequencia dos ensinamentos de Ng'Mui, Yim Wing Chun conseguiu derrotar o valentão e expulsá-lo da região. Após o ocorrido, Yim Wing Chun dedicou-se totalmente a estruturar o novo método que aprendera de sua mestra. Ela dividiu-o em Siu Nim Tao, Chum Kiu, Biu Je, Moy Fah Jong e Bot Jom Doa. Mais tarde, casou-se com o noivo que lhe tinha sido reservado em criança, de nome Leung Bok Chau, o qual já possuia conhecimentos de artes marciais antes de desposar Yim Wing Chun. Depois do casamento, ela o via praticar seus exercícios de Kung Fu e fazia-lhe sugestões a respeito de certas técnicas, discutindo com ele teorias das artes marciais. A princípio, ele prestou pouca atenção a essas sugestões, pois se considerava um lutador razoável e não via como uma mulher frágil como sua esposa poderia saber alguma coisa que ele já não soubesse. Mas o tempo foi passando e ele começou a notar certas pertinências nas observações dela, e incentivou-a a lutar. Foi repelido com certa facilidade, embora estivesse usando sua melhor técnica. Surpreso com esse resultado, repetiu a experiência diversas vezes e todas as lutas acabavam da mesma forma.
Foi então que Leung Bok Chau caiu em si, e percebeu que sua esposa não era tão frágil quanto as outras mulheres; pelo contrário, era uma poderosa lutadora com grande habilidade numa arte marcial desconhecida e até feia, mas de extrema eficiência em luta. Daí em diante passou a admirar a técnica dela e sempre que podia praticava. Denominou essa arte "Wing Chun Kuen" (Punhos de Wing Chun) em homenagem a ela.
Muitos anos depois de Leung Bok Chau ter aprendido a arte do Wing Chun Kuen de sua esposa, ele a transmitiu a um médico herbalista chamado Leung Lan Kwai, que a preservou secretamente, nunca tendo mencionado a ninguém que possuía conhecimento de artes marciais. Esse segredo só foi revelado quando certa vez expulsou a pancada um grupo de lutadores que estavam molestando um homem idoso. De qualquer maneira, ele sempre soube manter na discrição suas habilidades, decidido a não tornar público o estilo Wing Chun.
Porém, para a felicidade de todos os que praticam Wing Chun em nossos dias, ao se tornar idoso, Leung Lan Kwai resolveu ensinar seu estilo a mais alguém para que não perecesse com ele. Depois de muito escolher, conheceu um rapaz chamado Wong Wah Bo, e felicitou-se por ver em um jovem, caráter tão íntegro e admirável senso de justiça, decidindo-se a ensiná-lo.
Wong Wah Bo era um ator de ópera chinesa, ou melhor, era líder de uma trupe de ópera cantonesa, Kin Fah Wui Gun (Sociedade da Preciosa Flor de Jade), e esses atores normalmente tinham noções de artes marciais, pois interpretavam muitas vezes papéis que representavam heróis militares lendários do passado. As equipes de óperas viajavam em Juncos Vermelhos (barcos pintados de vermelho) conhecidos como Hung Suen, por toda a China. Numa época em que não haviam estradas como as de hoje, as viagens a pé ou a cavalo se tornavam dificultosas e os meios de transporte mais rápidos eram os fluviais, o que motivava o desenvolvimento de povoações às margens dos rios. Os Juncos da ópera iam pelos rios da China, organizando espetáculos nas cidades próximas ás margens, e essas viagens duravam muitos anos, sendo que muitas pessoas passavam nesses barcos praticamente a vida toda.
Mestre Cheen Sin, um dos 5 mestres que conseguiram fugir do Templo Shaolin, como mencionado anteriormente, e que era um grande conhecedor das doutrinas do budismo Ch'an e especialista no estilo do punho longo, tornou-se um revolucionário e conclamava a juventude chinesa a se unir para derrubar o governo manchu, o que fez com que sua cabeça e a de alguns de seus discípulos fossem colocadas a prêmio, forçando-o a refugiar-se como cozinheiro em um dos Juncos Vermelhos.
Entre os discípulos de Cheen Sin no Junco Vermelho, havia um chamado Leung Yee Tai, que não era ator de ópera, mas um simples marinheiro, um bastoneiro para ser mais exato, cuja função era usar um bastão para empurrar o barco em regiões onde o vau era mais raso, para desencalhar o mesmo. Dentre as técnicas que o mestre Cheen Sin dominava, se incluía a técnica do bastão longo, e ele a ensinou a Leung Yee Tai que acabou por se tornar muito proficiente no domínio dessa arte. O tempo foi passando e, mesmo após a morte do mestre Cheen Sin, Leung Yee Tai continuou trabalhando como bastoneiro no Junco Vermelho, e não abandonou os seus treinamentos com o bastão.
Wong Wah Bo, tendo ido trabalhar no mesmo junco em que estava Leung Yee Tai, admirou-se da habilidade técnica que este demonstrava no manejo do bastão. Acabaram por se tornar amigos e um ensinou ao outro sua técnica. Isso contribuiu para que a técnica do bastão longo, ou seja, o Bastão de Seis Pontos e Meio (Luk Dim Poon Kwun) fosse incluída no currículo do estilo Wing Chun, que a esse tempo possuía como arma apenas as espadas gêmeas, também conhecidas por espadas borboletas, graças às alças em sua empunhadura. As espadas borboletas possuem 8 técnicas básicas e, é chamada de Facas de Oito Cortes (Bot Jom Doa). Mais tarde, a trupe de ópera, acusada de participação em uma rebelião, foi dispersada.
Já em idade avançada Leung Yee Tai transmitiu a arte do Wing Chun para Leung Jan, um médico famoso da cidade de Fotshan na província de Kwangtung, por sinal a mesma província onde tinha nascido Yim Wing Chun. Leung Jan era descendente de uma família tradicional e fora educado com esmero, possuindo grande cultura. Era proprietário da farmácia Jang Sang, especializada em ervas medicinais, e também exercia a medicina entre os habitantes de Fotshan, que já nessa época era famoso centro comercial. Leung Jan era considerado profundo conhecedor da medicina chinesa, e a fama do médico trazia a sua porta inúmeras pessoas que viajavam desde outras províncias em busca de sua habilidade. Apesar da prosperidade de seus negócios e da intensa atividade que desenvolvia, possuía duas paixões: a literatura e a arte marcial. Sua habilidade no domínio das técnicas do Wing Chun lhe valeram o apelido de "O Rei do Kung Fu de Wing Chun", o que atraiu sobre si muitos desafios. Lutadores ambiciosos de sua fama forçavam-no a lutar, mas eram facilmente vencidos. Ainda nos dias de hoje, os anciões de Kwangtung sentem uma ponta de orgulho ao relatarem seus feitos memoráveis.
Evidentemente, Leung Jan exercia atividades profissionais de sobra para poder se dedicar profissionalmente ao ensino do Wing Chun, mas seu entusiasmo pela arte marcial e a necessidade de praticar o que sabia, obrigaram a adotar alguns discípulos, entre eles seus dois filhos, Leung Tsun e Leung Bik. Quando já idoso, afastou-se de suas atividades profissionais e passou a ensiná-los todos os dias. Leung Jan (1816-1891) era famoso na região, por cobrar muito caro para ensinar a sua arte.
Próximo à farmácia de Leung Jan, havia um posto de troca de dinheiro que pertencia a um homem chamado Chan Wah Shun (1829-1905). Por essa época, eram comuns os postos de troca de dinheiro, pois as moedas da dinastia Ching eram cunhadas em cobre e prata, exigindo sua troca em moedas de menor valor para facilitar o comércio. Graças a sua profissão, o proprietário desse posto era conhecido por "Wah - o trocador de dinheiro". Wah tinha um grande sonho: tornar-se um hábil lutador de Kung Fu. Tendo conhecimento da fama do farmacêutico, estava decidido a tornar-se seu discípulo, mas temia solicitar sua aceitação às aulas pois pertenciam a diferentes níveis sociais. Leung Jan era descendente de uma família proeminente, médico famoso e próspero comerciante, ao passo que ele era apenas um modesto trocador de dinheiro.
Todos os dias, às horas mais calmas da tarde, quando o movimento diminuía, Wah corria à cerca de madeira da farmácia do vizinho, e na ponta dos pés espiava pelas frestas para ver Leung Jan ensinando Wing Chun.
Leung Jan era uma espécie de ídolo para ele, prestava muita atenção aos movimentos de seus pés e mãos, estudando-os cuidadosamente.
Dia a dia sua vontade de tornar-se seu discípulo aumentava, até que, reunindo toda sua coragem e determinação apresentou-se diante do mestre e solicitou formalmente sua admissão. Para seu pesar, sua proposta foi gentil mas firmemente recusada. Todavia Wah não era um homem que desistisse facilmente e vendo que as portas não se abririam pelos meios convencionais, tratou de encontrar outra alternativa. Nas inúmeras vezes em que observara os treinos de Leung Jan, tinha visto que entre os alunos havia um homem de grande porte físico que era seu xará e que possuía braços tão fortes que algumas vezes tinha quebrado os braços do boneco de madeira (mudjong), que era utilizado para os treinamentos avançados do sistema Wing Chun. O fato de possuir os braços tão fortes trouxe a ele o apelido de "Wah - o homem de madeira".
Wah, "o trocador de dinheiro", valendo-se de sua picardia, usou de todos os recursos que dispunha para tornar-se amigo de Wah, "o homem de madeira", e com ele aprendeu inúmeras técnicas de Wing Chun. Os meses foram se passando e, certa ocasião, aproveitando que Leung Jan estava viajando, Wah "o homem de madeira", resolveu levar seu amigo e xará para assitir o treino na farmácia. Nessa oportunidade estava lá Leung Tsun e Wah conto-lhe que seu amigo, o trocador de dinheiro, possuía grandes habilidades em Wing Chun e que as havia adquirido apenas observando os treinos pelas frestas da cerca.
Leung Tsun resolveu então testar o resultado do aprendizado ilícito de Wah, "o trocador de dinheiro", travando com ele uma luta real.
Logo ao iniciar a luta, Wah, que estava acostumado a treinar com seu amigo "o homem de madeira", um parceiro muito forte, percebeu que Leung Tsun não era hábil para enfrentá-lo, e deu-lhe um golpe tão forte que arremessou-o sobre a cadeira do pai, quebrando-a. A cadeira quebrada era de grande valor, sendo a favorita de Leung Jan, por isso, temendo a punição, todos apressaram-se em consertá-la o melhor que puderam.
Naquela noite, retornando de sua viagem, Leung Jan foi descansar em sua cadeira favorita, como era seu hábito após o jantar. Para sua surpresa e indignação, a cadeira tombou para o lado e ele quase caiu ao chão.
Foi então informado pelo filho a respeito da visita do vizinho e do resultado que a luta provocara. Leung Jan, ao ouvir o relato, intimou seu discípulo Wah, "o homem de madeira", e lhe fez meticuloso interrogatório principalmente a respeito de como o seu amigo tinha adquirido suas habilidades de Kung Fu. Wah então lhe informou que de vez em quando ensinava Kung Fu a seu amigo e que ele subrepticiamente costumava espiar pelas frestas da cerca para ver os treinamentos nos fundos da farmácia.
Leung Jan pediu a Wah que fosse buscar seu amigo, mas Wah que sabia que era errado ensinar Kung Fu a estranhos, sem a permissão do mestre, imaginou que seu amigo seria punido pelo que tinha feito e, ao invés de trazê-lo, aconselhou-o a fugir da região. Ao saber disso, Leung Jan explicou que não desejava puni-lo, mas apenas saber o quanto tinha aprendido do sistema, e quão talentoso ele era. Ao ouvir isso, Wah correu em busca de seu amigo e o levou à presença do mestre. Leung Jan examinou a técnica do trocador de dinheiro e admirou-se dos estágios que ele atingira sem ter frequentado aulas formais. Acabou por consentir em aceitá-lo como discípulo.
Wah, "o trocador de dinheiro", não era um homem culto nem sequer possuía talentos especiais, mas sua persistência e determinação asseguraram-lhe um rápido progresso. Devido a sua profissão, estava constantemente envolvido com pessoas de classes mais baixas, o que lhe dava oportunidade de envolver-se em brigas constantes, propiciando-lhe ocasiões de incrementar suas habilidades na arte de lutar. Essas habilidades se aperfeiçoaram de tal forma, que lhe trouxeram fama considerável e o posto muito admirado e de grande respeito de instrutor chefe, para uma brigada especial do exército denominada "Soldados dos Oito Estandartes".
Wah ensinou Wing Chun durante 36 anos, e teve durante esse tempo todo, apenas 16 discípulos, entre os quais seu filho e sua nora. Não possuía local apropriado para o ensino do Wing Chun, portanto costumava alugar ginásios para esse fim. Quando Wah estava com mais de 70 anos de idade, foi gentilmente convidado a ensinar no templo ancestral da família Yip, uma das mais ricas de Fotshan, proprietária de uma enorme fazenda e de uma rua inteira da cidade. Esse foi o seu derradeiro local de ensino, tendo lá ministrado aulas até sua morte.
Mestre Wah costumava cobrar muito caro por suas aulas, três moedas de prata por mês, o que limitava muito o número de seus alunos.
Certo dia ficou surpreso ao encontrar à sua espera o pequeno Yip Man, filho do proprietário do templo onde dava suas aulas, segurando na mãozinha três moedas de prata e pedindo para ser aceito como seu discípulo.
Preocupado com a grande soma em dinheiro que o menino de treze anos lhe trazia, temeu ter sido roubado e foi perguntar ao pai do garoto. Descobriu então que o pequeno Yip tinha conseguido o dinheiro quebrando o potinho onde guardava suas economias de muitos anos. Enternecido pela decisão firme do pequenino, Wah aceitou-o como estudante, mas não o levou muito a sério a princípio, pois acreditava que o filho de um grãn-fino seria delicado demais para poder aprender uma arte viril como o Wing Chun. Mas a garra com que Yip Man se atirou aos treinos, fizeram com que ele mudasse de idéia rapidamente. Yip Man foi o mais jovem dentre os discípulos de Wah "o trocador de dinheiro"; este o ensinou desde então, vindo a falecer quando o jovem estava com dezesseis anos de idade.